Um filho chega à família, toma conta da vida e ocupa um espaço que, muitas vezes, passa de alguns limites. A jornalista Mariana Ditolvo mostra aqui como superar os desafios dessa nova e deliciosa fase sem colocar em risco o seu casamento.
Começa lá na gravidez todos os assuntos principais em casa giram em torno do filho. Não tem jeito. Das alegrias de cada dia aos necessários planejamentos da maior mudança prestes a acontecer na vida do casal, parece que não temos espaço suficiente na atribulada agenda para falar de tudo. Muito menos para cuidar de nós, aquelas duas pessoas que se conhecem, se apaixonam... Quando chega um filho, então, os embates conjugais se intensificam, não resta a menor dúvida.
E, convenhamos, não é difícil entender a razão. Filhos são, sim, uma grande bênção e despertam o tão comentado amor incondicional. Mas conciliar a chegada dos pequenos a uma manutenção exemplar do matrimônio e à intensa rotina é privilégio de poucos. Eu, por exemplo. Com o nascimento do Miguel, hoje com 3 anos, logo percebi que aquelas pequenas divergências de opinião e diferenças de personalidades minhas e de meu marido, Guilherme, poderiam se transformar em discussões longas e acaloradas.
A escolha do pediatra foi o primeiro dilema entre mim e o Guilherme. Filha de um médico homeopata, imaginei que assim seria com Miguel. Só que meu marido também tinha um médico de confiança o mesmo de sua infância. Isso exigiu muita, mas muita conversa e nos mostrou que as regras e culturas que cada indivíduo carrega consigo explodem como bombas depois que duas pessoas se juntam e decidem se casar. “A beleza e o sucesso das relações estão nas conversas, no entendimento e no poder de ceder”, diz Cristiana Pires Gonçalves Pereira, coordenadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo.
Pois foi essa a nossa decisão. No final, o pediatra escolhido foi o dele, que nos orienta sobre o crescimento do Miguel. Mas a meu pai coube receitar homeopatia quando aparecem gripes e dores de garganta, além de atender os telefonemas de madrugada.
E veio mais. As brigas mais dolorosas giravam em torno da falta de dedicação e de carinho de um com o outro, ou a vida sexual comprometida pela intensa correria do dia a dia. Afinal, justifico para ele, acordar cedo depois de noites mal dormidas e enfrentar um dia inteiro de trabalho para depois buscar o Miguel na escola, preparar o jantar, dar banho e tentar aproveitar ao máximo essas horinhas a mais ao lado do meu filho são tarefas suficientes para que minhas energias se esgotem tão logo eu coloque o pequeno na cama.
Ele se magoa porque luta para ficar tudo bem, dividindo todas as tarefas de casa e as responsabilidades comigo. “É cada vez mais comum que os homens procurem uma terapia de casal quando se ressentem das transformações na rotina sexual, por exemplo. Por outro lado, as mulheres se sentem sobrecarregadas e envolvidas demais com o bebê para oferecer a atenção cobrada”, diz Sandra Fedullo, terapeuta familiar e presidente do Instituto Sistemas Humanos (SP). “O fato é que não há como viver a experiência de ter um filho sem sentir que tudo mudou de lugar”, diz.
Agora, veja que curioso: um estudo norte-americano apontou que, embora acreditemos que a vida está cada vez mais difícil, pais casados relatam menos depressão e mais significado em suas vidas do que seus pares sem filhos, e os com maior número de crianças se mostram mais felizes. Arrisco uma interpretação: compartilhar valores e gostos nos torna capazes de sobrepor aos desafios que permeiam a criação de um filho. W. Bradford Wilcox, um dos responsáveis pela pesquisa, declarou: “Fica claro que os pais que se beneficiam de uma convivência feliz abraçam uma espécie de ética de generosidade conjugal, sempre procurando agradar e surpreender o parceiro”, afirma.
Disposição para mudar
Filho de judeus, Alexandre Moraes, executivo de vendas casado com Marina Moraes, não teve grandes problemas, por exemplo, em aceitar as vontades da família católica da mulher, e não se opôs ao batismo de João, 1 ano. Mas, para decidirem a escola do filho, a história está sendo diferente. Marina prefere os valores de uma escola tradicional e conceituada.
Alexandre não abre mão do padrão americano, com aulas em inglês e período integral. “Como já estivemos separados por um tempo, procuramos resolver tudo com conversa e concessões para evitar consequências para a nossa relação e para a vida do nosso fillho”, diz.
O segredo talvez seja um ingrediente básico, mas raro: a liberdade de pai e mãe assumirem cada um o seu papel e tomarem decisões juntos. E nunca descuidar da vida a dois. “Afinal, as pessoas precisam dar sinais claros de amor e respeito para que continuem se olhando como casais”, diz a terapeuta Cristiana. E inspirando isso nos filhos.
Se o desafio era mudar, a gerente de recursos humanos Carolina Morita decidiu parar de trabalhar por um tempo, pois já carregava certa culpa por falta de tempo para a primeira filha, Gabriella, 8 anos, quando engravidou de Julia, hoje com 3. Mas o marido teve receio
“O medo dele era eu não conseguir me recolocar depois, ter de adaptar nosso padrão de vida e que eu me transformasse em uma mulher chata por passar o dia todo em casa”, lembra ela, que também estava infeliz no trabalho. “Fiquei um ano sem trabalhar e, nesse período, consegui voltar a fazer ginástica, colocar a vida em ordem e fortalecer nossa relação marido e mulher”, conta. De volta ao batente, ela conta que, apesar de os constantes conflitos causados pela pesada rotina, tudo ficou mais fácil, pois ambos estavam mais certos do que queriam.