Você pode deixar seu filho andar descalço pela casa, não surtar se ele se arranhar brincando e sofrer menos pensando que foi injusto ele tomar uma bronca do professor
Pare para pensar em tudo o que você deseja para seu filho e como vai fazer para pôr isso em prática. Tente colocar no papel. Provavelmente entre as coisas que você escreveu estão fazer com que ele não adoeça, não se machuque, fique sempre em ambientes seguros e com pessoas de confiança, tenha a melhor educação do mundo, esteja preparado para se destacar na vida adulta, cerque-se de amigos incríveis, possa ter tudo o que você não teve e seja feliz, sempre.
Até aí, nada de errado. Afinal, se qualquer pessoa deseja tudo isso para alguém que ama, que dirá para um filho.
Mas será que, na melhor das intenções, você não está exagerando um pouco na proteção, nas expectativas que coloca na criança e na cobrança que faz de si mesmo, como pai e mãe?
De fato, essa ânsia em querer ser o melhor pai do planeta, que acaba às vezes sendo prejudicial para o desenvolvimento dos pequenos, é bem comum. Quem afirma isso é a psicóloga norte-americana Wendy Mogel, mãe de duas meninas, Susanna, 26 anos, e Emma, 22, especialista em família, estudiosa das relações entre filhos e pais e autora de dois best-sellers sobre educação e comportamento nos Estados Unidos: The Blessing Of a Skinned Knee (A Benção de um Joelho Ralado, em tradução livre) e The Blessing of a B-minus (A Benção de um B-, ou seja, uma nota na média), ambos inéditos no Brasil.
Pensando em ajudar esses pais de um jeito muito bem-humorado, a psicóloga fez uma paródia de grupos como os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, o Overparenting Anonymous – For Those Who Feel Powerless Over Overindulgence, Overprotection, Overscheduling and Expectations of Perfection (ou Pais Superprotetores Anônimos – Para os Pais que se Sentem Impotentes para Combater a Ânsia de Mimar, Superproteger, Superocupar e Ter Altas Expectativas de Perfeição). “É como se os pais fossem mesmo viciados em seus filhos, em fazer com que vivam uma vida perfeita”, explica.
Inspirados nos passos para ajudar viciados a deixar de lado o álcool ou as drogas, ela criou 13 tópicos para que mães e pais reflitam e tenham uma postura mais tranquila em relação à família. Com a ajuda de Wendy, nove desses passos, que são voltados para crianças pequenas, para a realidade brasileira. Quem sabe eles ajudam você a não cair no vício da família perfeita?
- Antes de se aborrecer, criticar, elogiar ou explicar demais, pense: “Por que estou falando isso?”“Ouça quatro vezes mais do que você fala, simples assim”, diz Wendy. Se seu filho chegar em casa reclamando que o colega bateu nele, antes de dizer “vou falar com a mãe dele”, pergunte o que aconteceu, como foi, o que estavam fazendo. Uma criança não pode bater na outra, claro, mas, às vezes, seu filho arrancou o brinquedo da mão do colega, então o papo fica bem diferente...
- Esteja alerta, mas não fique sempre desesperado. Repetir para si mesmo: “Só por hoje não vou me alarmar se meu filho cair e ralar o joelho. Só por hoje não vou sofrer demais se ele chorar na escola quando eu for embora”. Observe primeiro. Veja como ele reage, se consegue se levantar, se o choro passa rápido, se ele passa muitos dias chateado. Só depois tome atitudes. Wendy conta uma história curiosa que viu nas escolas dos EUA. “No armário de primeiros socorros havia toalhinhas vermelhas para limpar os machucados das crianças para que elas não se assustassem ao ver o sangue. É uma superproteção extrema! Além disso, a maioria dos pequenos adora ver sangue, pois é colorido, interessante. Eles precisam ver para aprender sobre o próprio corpo e como ele se cura.”
- Não confunda o que a criança quer com o que ela precisa. Dispensa grandes explicações, não é? Para ficar em um exemplo simples, seu filho não precisa que você o defenda se ele brigar com o primo. Mas ele bem que quer que você faça isso...
- Entenda que as notas ou o desempenho do seu filho não é igual à sua nota como mãe ou pai. Separe as coisas. Você e seu filho são indivíduos diferentes, com características diversas e, embora o que um faça interfira diretamente na vida do outro, as coisas não são assim tão pão, pão; queijo, queijo. Por isso, relaxe. Às vezes seu filho não é bom nas atividades físicas, mas vai ser o cara que mantém a turma de amigos junta. Abra seus horizontes para entendê-lo e suavize a autocobrança.
- Aprenda a amar as palavras “tentativa” e “erro”. Deixe seu filho errar muito antes da vida adulta. Tem coisas que você só aprende experimentando. Isso gera autoconfiança, ensina a agir nas diversas situações, a testar e a achar o melhor caminho. “Nos Estados Unidos têm muitos grupos de mães que estimulam as crianças a se desenvolverem. Em um deles, um bebê de 8 meses estava tentando pegar uma bola e não conseguia. A mãe teve o impulso de pegar a bola e dar ao filho. Então a monitora explicou que ela devia se sentar sobre as próprias mãos e só olhar. O menino começou a se mexer e enrugou o edredom sobre o qual estava brincando. Isso balançou a bola, que foi na direção dele e ele conseguiu agarrá-la. Não tinha expressão mais feliz do que a dele naquele momento”, conta Wendy.
- Não tente consertar o que não está quebrado. Aceite a natureza de seu filho. Se ele tiver talento para ser um ótimo cozinheiro, não peça a ele que seja um médico. Seu filho é um pouco tímido? Tem dificuldade de parar quieto e prestar atenção no que os outros falam? Pense se isso não é uma característica dele. “Nem todas as crianças vão ser boas com idiomas, ou se comportarão do mesmo jeito. Isso não é sempre motivo para ir a um psicólogo ou dar remédio. Estamos toda hora procurado algo para culpar e soluções rápidas. É preciso ter mais paciência antes de tomar atitudes”, diz.
- Lembre-se: decepções fazem parte da preparação para a vida adulta. Quando seu filho for excluído de uma brincadeira, não cair na classe dos colegas que ele gosta ou ficar na última fileira da apresentação de balé, não tente reverter a situação a qualquer custo.
- Dê ao seu filho tempo para brincar. E evite que depois ele diga que teve a infância roubada. Procure deixar espaços realmente livres na agenda do seu filho, para que ele faça o que quiser ou não faça nada. E deixe que ele se sinta entediado de vez em quando, para aprender a lidar com essa sensação, que será comum durante toda a vida dele. “A dificuldade desse passo é ir contra ao que todos os outros pais estão fazendo. Se você tem condições financeiras e decide não matricular seu filho na natação, no inglês e nas aulas de pintura, muitas pessoas vão dizer que você é negligente, como se não estivesse dando o melhor para a criança. Meu conselho é: seja forte nas suas decisões.”
- Coloque a máscara de oxigênio em você antes de colocar nas crianças. Nada como você estar feliz e bem resolvido para seu filho se sentir do mesmo jeito. Por isso, cuide de si mesmo! Encontre tempo para sair com os amigos, para fazer algo de seu interesse. Permita-se ter preguiça de dar banho nele depois daquela festa e ir para cama com os pés sujos (só por hoje!), finja que não viu aquele amendoim que ele enfiou na boca e estava no chão sabe-se lá quantos anos. E, não, ele não vai ficar doente por ir descalço até a cozinha buscar um copo de água. Para ele ter independência no futuro, passeiem juntos, a pé, de bicicleta, de transporte público. Seu filho aguenta aprender tudo isso. Ele só precisa da sua ajuda. De leve!