Psicólogas afirmam que ter mais afinidade com uma criança é normal, e que preferência não tem nada a ver com amor
É um tabu. Dificilmente você vai ouvir um pai ou uma mãe admitindo que tem um filho favorito. E se você é mãe ou pai, provavelmente nunca pensou em contar isso pra ninguém. Este ano, o site de descontos inglês MyVoucherCodes entrevistou 1237 pais com dois ou mais filhos e fez uma simples pergunta: “Você dá a mesma atenção para os seus filhos?”. 62% dos participantes responderam que não. Para tentar entender melhor aos que responderam “não”, os pesquisadores perguntaram “por quê?”. Alguns afirmaram que os filhos tinham necessidades diferentes, outros disseram que encontravam mais com um filho do que com o outro, mas 11% disseram ter um filho favorito. Ou seja, 85 pessoas admitiram o favoritismo. Por outro lado, cerca de 520 entrevistados disseram que seus pais tinham um favorito na sua infância.
A diferença entre os números parece estranha: por que poucas pessoas admitem o favoritismo com os próprios filhos, mas tantas dizem ter passado por isso? Psicólogas não têm dúvidas de que a preferência existe em boa parte das famílias, mas as pessoas simplesmente não gostam de reconhecer, pois acham que estão cometendo um erro gravíssimo. Quase um pecado. Acontece que ter um filho favorito é, por incrível que pareça, normal. Antes que o leitor grite “que absurdo!”, uma ressalva: ter mais empatia com uma das crianças não quer dizer que ela é mais amada do que a outra.
Segundo a terapeuta de família Teresa Bonumá (SP), é natural ter mais afinidade com algumas pessoas, seja no trabalho, na escola ou na vida pessoal. E em família não é diferente. “Não é uma questão de amar mais ou amar menos. Existe uma afinidade e ela também varia de acordo com a fase da criança e seus interesses. Os pais não devem ter medo de seus sentimentos, é tudo natural e humano”, diz a especialista. Um exemplo: uma mãe que gosta muito de conversar pode ter mais empatia com o filho que é mais falante e extrovertido do que com aquele que é mais tímido, fechado ou discreto, simplesmente porque há um interesse em comum, e não mais ou menos amor.
O erro, segundo Teresa, não está em ter essa preferência. Está em, por causa dela, dar tratamento e educação diferentes para cada um dos filhos. E isso pode acontecer de duas maneiras: o pai ou a mãe dão explicitamente mais atenção para o filho com quem tem mais afinidade ou, ao contrário, por saberem que tem um filho preferido, eles compensam a culpa dando mais atenção ao outro. Ambas as situações podem prejudicar as crianças. “Os pais devem ter a consciência de que preferência existe, e acontece em determinado momento. Se os pais compreendem isso, não há culpa e diferença na educação”, resume Teresa.
O melhor, então, é descobrir o que você mais gosta de fazer com cada filho. Afinal, há sempre um aspecto em cada criança que vai agradar mais. Pense assim: o pai que é fanático por futebol pode acabar tendo mais empatia com o filho que joga futebol. Mas com certeza o pai não gosta só de futebol, e há algo que os outros filhos fazem que também lhes permitirá aproveitar o tempo juntos como ouvir histórias, assistir filmes, desenhar, conversar, dar carinho... “Os pais precisam respeitar as necessidades dos filhos. Não precisam fazer tudo igual, os mesmos programas com todos. E é muito importante não deixar um filho de escanteio”, explica a psicóloga Paula Kioroglo, Hospital Sírio-Libanês (SP).
Quando os pais não conseguem encontrar o equilíbrio e existe uma preferência explícita, que gera diferenças na criação de cada filho, há consequências. De acordo com Paula, a criança preferida pode desenvolver tendência a manipulação, achar que tudo é fácil de conseguir e não lidar bem com frustrações. Já as outras crianças podem se isolar, ter baixa autoestima e criar vínculos mais fortes com os amigos do que com a família, o que a deixa mais vulnerável a influências externas.
Paula afirma que é possível perceber quando algo não vai bem. Ela dá o exemplo de um de seus pacientes, que não era o filho preferido, e chegou ao consultório com problemas de agressividade. Provavelmente ele agia assim para chamar a atenção dos pais. Se você ou seu companheiro tiverem dificuldade para lidar com essa preferência ou perceberem que não estão sabendo dar a mesma atenção para os filhos, o ideal é procurar ajuda de um psicólogo.
Há, no entanto, situações específicas nas quais um dos filhos precisa de fato de mais atenção, geralmente por conta de problemas físicos ou psicológicos. Nesse caso, é preciso conversar abertamente com os outros irmãos, deixar claro que um deles receberá mais cuidados, mas garantir que essa diferença não tem nada a ver com amor. “Tenho 40 anos de experiência e nunca vi um filho reclamar de atenção quando tem um irmão deficiente ou com problemas graves. As crianças entendem e ainda dizem ‘minha mãe precisa dar atenção para o meu irmão porque ele precisa mais, mas ela me ama também’”, conta Teresa. E, é assim, entre disputas e compreensão, que se forma uma família.