No último ano para as escolas se adaptarem, especialistas, professores e diretores de escolas falam sobre os desafios e mudanças. Saiba também por que não você não precisa ter pressa em adiantar a matrícula do seu filho.
Em 2006, o Brasil levou um susto com a lei federal que estipulou que crianças com 6 anos passariam a ser matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental. Não houve uma discussão, digamos, pública, e a maior parte dos envolvidos pais e educadores tiveram mais dúvidas do que certezas, por muito tempo. Pois em 2012 termina o prazo para que as escolas se adaptem à data de corte. De acordo com a medida, os alunos precisam ter 6 anos completos até o dia 31 de março.
Como explica Francisco Aparecido Cordão, presidente da Câmara de Educação Básica, a escolha por essa data aconteceu para organizar a matrícula. “A expressão ‘início do ano letivo’ gera diferentes interpretações, por isso foi determinado esse corte, que é o mesmo adotado em outros países do Mercosul”, diz. Esta foi a segunda parte da polêmica instaurada a partir da mudança que “tirou” este grupo da pré-escola e estendeu o ensino fundamental de oito para nove anos. “Tudo aconteceu de forma pouco clara, sem uma discussão prévia com os professores e as universidades. Mas acredito que as escolas, principalmente as particulares, têm feito o seu melhor para se adaptarem”, afirma Maria Luiza Rodrigues Flores, professora da UFRGS e integrante do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB).
Mas, afinal, como as escolas se adaptaram? Ou como deveriam? Cada uma encontrou um jeito para receber a meninada de 6 anos. Em algumas, a sala do primeiro ano ainda fica no mesmo prédio do ensino infantil. Em outras, o intervalo não acontece com os “grandes”. E nada de provas ou boletins, apenas relatórios ou projetos a serem avaliados. Maria Luiza defende que o ideal seria pensar no que é melhor para a criança de 6 anos, não importa se é ensino fundamental ou infantil. “É preciso valorizar um currículo com jogos e brinquedos e pensar sobre o espaço físico mais adequado até porque o aluno pode não alcançar o pé no chão ao sentar em uma cadeira maior.”
Débora Vaz, diretora pedagógica da Escola Castanheiras, em São Paulo, considera o processo como um “deslocamento” do ensino infantil para o fundamental. “Aqui, as crianças ainda têm espaço reservado para brincar e só uma vez por semana fazem o recreio no pátio dos mais velhos”, diz. Na Escola Parque, no Rio de Janeiro, a mudança dos pequenos para o prédio do ensino fundamental só acontece no segundo ano. E, em relação à alfabetização, não houve mudanças significativas. “Ainda na pré-escola os alunos já ‘brincam’ com as letras. E não consideramos apenas uma classe de alfabetização e sim o processo todo, até os 8 anos de idade”, afirma Patrícia Lins e Silva, diretora pedagógica.
Na Escola Viva, em São Paulo, a sala do primeiro ano também continua como uma classe do ensino infantil. “Houve apenas alguns ajustes. A alfabetização já acontecia de alguma maneira e só intensificamos um pouco”, diz Renata Americano, coordenadora pedagógica. E na unidade Rosário do colégio Marista, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, as salas de aulas do primeiro ano do fundamental têm banheiros com vasos mais baixos, bebedouro, minigeladeira para guardar o lanche e mesas para atividades em grupo. “Os alunos do primeiro ano também fazem o intervalo em um pátio separado dos maiores”, diz Adriana Kampff, vice-diretora educacional.
Sem pressa
Todo o cuidado das escolas em não “roubar” um ano da infância é necessário. “Aos 6 anos, a criança está em transição. É nessa idade que ela adquire a função simbólica, necessária para aprender a ler e a escrever. Por isso, ainda não está totalmente pronta para a alfabetização formal o que acontecerá aos 7”, diz Elvira Souza Lima, neurocientista e pesquisadora em educação.
O importante, então, é encarar essa fase como um período transitório, em que exista uma porcentagem de atividades lúdicas e só aos poucos mais sistematizadas. Segundo as diretrizes curriculares do CNE de 2010, “a escola deve adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilidade às crianças na sala de aula, explorar com elas mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar pela literatura, (...) ao mesmo tempo em que passa a sistematizar mais os conhecimentos escolares”. A escola também deve respeitar o ciclo de alfabetização até os 8 anos e não pode reprovar neste período.
Instituir o início do ensino fundamental aos 6 anos de idade, portanto, não representa pelo menos na teoria um adiantamento do primeiro ano como é conhecido. Como diz Neide Noffs, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP, as crianças de hoje em dia podem até parecer mais desenvoltas, mas isso não significa que são mais maduras. “Se forem treinadas, vão aprender, claro, mas irão contra o seu desenvolvimento natural”, afirma. Elvira exemplifica esse problema. “A dificuldade costuma aparecer por volta dos 9 ou 10 anos, quando o cérebro já está mais ‘maduro’, e o aluno perde o gosto pela leitura ou reprova no 5º ou 6º ano”, diz a neurocientista.
Ela também explica que algumas áreas cerebrais responsáveis por estabelecer relacionamentos estão envolvidas na aprendizagem da leitura e da escrita. Ou seja, se a criança se esforçar antes da hora, ela deixa de fortalecer outras habilidades.
Mais pressa ainda
O alerta é necessário pelo fato de que muitos pais conseguiram matricular seus filhos de 5 anos no primeiro ano do fundamental, mediante decisão judicial. No caso, a data de corte ficou em 30 de junho. “O aluno já convive, na pré-escola, em um ambiente alfabetizador, não passa o dia brincando. Então, os pais precisam entender que o filho já estará bem atendido ainda antes do primeiro ano”, diz Neide.
A especialista, assim como Elvira, também chama atenção para outra questão: seis meses podem fazer diferença. Uma criança de 5 anos e meio pode não ser a mesma aos 6 anos e o motivo está no desenvolvimento cerebral.
A questão de adiantar ou não o primeiro ano tem gerado, inclusive, alguns casos contrários à matrícula da garotada de 6 anos no fundamental. A Escola Waldorf Recife, em Pernambuco, por exemplo, tenta resistir. Como explica Isabela de Holanda, professora do 4º ano, a pedagogia Waldorf defende que a criança não deve aprender a ler e a escrever antes que complete 7 anos. “Estamos ‘batendo o pé’ com a Secretaria de Educação do Estado, reunindo materiais para justificar nossa posição.
E explicamos para os pais de alunos que vêm de outros lugares, com outros métodos, como a escola funciona. Alguns precisaram fazer novamente o primeiro ano”, explica. E você? O que acha dessa mudança?
Dê sua opinião!